Do rotundo Não ao vôo rejuvenescido
Há cinco ou seis anos, recebi da Saldiva, uma agência de propaganda, um cartão de Natal que, ao contrário dos muitos que recebo todo ano, me chamou a atenção a ponto de não esquecer. O texto dizia que a águia é a única ave que chega a viver 70 anos. Só que para isso ela precisa tomar uma difícil decisão quando chega mais ou menos à metade da sua expectativa de vida. Com esta idade, as unhas estão compridas e flexíveis, não conseguem segurar suas presas. As asas estão envelhecidas e pesadas por causa da espessura das penas. Seu bico está demasiadamente curvo, impedindo de se alimentar. Neste momento a águia tem que decidir: morrer ou se submeter a um doloroso processo de renovação. A que não se entrega se recolhe a um ninho no alto de uma montanha, próximo a um paredão e, solitária, inicia um ritual que vai durar 150 dias. Começa batendo o bico na pedra até que ele caia. Aí, o pássaro é obrigado a esperar que o novo bico apareça para arrancar, em autofagia, as unhas e as penas obsoletas. E como se não bastasse, o rito de passagem ainda exige paciência para a espera do nascimento e desenvolvimento de novas unhas e penas. Cinco meses de sofrimento recompensado por mais 30 anos de vôo, de caça e de vida.
Se há veracidade biológica ou não passa de uma parábola eu não sei. Certo é que a coragem da ave me despertou a dedicação de uma boa dosagem de respeito.
Respeito que no último domingo, no referendo das armas, o brasileiro demonstrou exigir. Há cinco meses, parecíamos nos recolher ao alto da montanha, mortos de vergonha de nossas unhas e asas. Nos recolhemos de fato, mas não adiamos a batida do bico na pedra. Cada manchete de jornal era uma unha arrancada. Cada porrada no congresso era uma pena nova que nascia. Cada pronunciamento hipócrita dos governantes, a raiva como analgésico para a dor generalizada.
Ainda não voltamos a voar. O rito não está concluído e há dores por sofrer. Mas, ainda que em solo, a demonstração de civilidade, de seriedade, de rejeição ao secular “jeitinho” - velado nas intenções do governo - está definitivamente estampada numa madura e silenciosa inquietude.
Ao Estado cabe o desconforto da perplexidade. Ao cidadão o resgate da autoconfiança. Vale a pena esperar pelo vôo rejuvenescido, imponente e sempre nobre dessa ave a que chamamos, hoje com mais orgulho, de Brasil.
Se há veracidade biológica ou não passa de uma parábola eu não sei. Certo é que a coragem da ave me despertou a dedicação de uma boa dosagem de respeito.
Respeito que no último domingo, no referendo das armas, o brasileiro demonstrou exigir. Há cinco meses, parecíamos nos recolher ao alto da montanha, mortos de vergonha de nossas unhas e asas. Nos recolhemos de fato, mas não adiamos a batida do bico na pedra. Cada manchete de jornal era uma unha arrancada. Cada porrada no congresso era uma pena nova que nascia. Cada pronunciamento hipócrita dos governantes, a raiva como analgésico para a dor generalizada.
Ainda não voltamos a voar. O rito não está concluído e há dores por sofrer. Mas, ainda que em solo, a demonstração de civilidade, de seriedade, de rejeição ao secular “jeitinho” - velado nas intenções do governo - está definitivamente estampada numa madura e silenciosa inquietude.
Ao Estado cabe o desconforto da perplexidade. Ao cidadão o resgate da autoconfiança. Vale a pena esperar pelo vôo rejuvenescido, imponente e sempre nobre dessa ave a que chamamos, hoje com mais orgulho, de Brasil.