terça-feira, setembro 20, 2005

Qualitativas, Quantitativas e Enganos.

Há poucos dias uma jovem conhecida me informou sobre uma pesquisa que ela viu não sabe onde, encomendada não sabe por quem, com o objetivo de medir não sabe o quê nas vendas de telefones celulares. E me afirmou com toda a segurança que, baseado nessa pesquisa, as crianças de oito anos já estão preferindo um telefone celular a qualquer brinquedo, “juro, eu li na pesquisa” bradava minha convicta amiga diante do meu inevitável ar de incredulidade. O diagnóstico não seria surpreendente, considerando que a intenção de participar do mundo globalizado está chegando cada vez mais cedo às nossas crianças. Mas não consigo imaginar, numa pesquisa qualitativa um garoto de oito anos correndo para um celular, deixando de lado um colorido e sedutor helicóptero de controle remoto planando sozinho no ar. As pessoas ainda desconhecem, e muito, os mecanismos e os efeitos deste importante instrumento de avaliação e medição de interesses.
Ferramenta indispensável no marketing político e comercial, as pesquisas são bússolas responsáveis pela manutenção das naves políticas e empresariais nas rotas do sucesso. Mas sua eficácia depende fundamentalmente dos critérios. E se funcionam com políticos e empresas, naturalmente é de grande utilidade em qualquer setor.
Começo a imaginar se tivesse conduzido a minha vida através de pesquisas qualitativas. Conheci aquela que seria a minha mulher. Chamo o Ibope, monto um questionário, aprovo um grupo misto de 14 pessoas com a minha faixa etária, nove homens e cinco mulheres. Exponho a pretendente e as minhas expectativas. Avalio virtudes, defeitos e meço a adequação da futura esposa ao meu estilo de vida, aos meus recursos econômicos e às minhas aspirações quanto à vida conjugal. Uma semana depois viria o relatório do instituto: os atributos físicos da candidata agradaram todo o grupo, com elevado índice de aprovação. O que por um lado é extremamente positivo, e por outro negativo, posto que a ameaça de assédios sexuais poderia ser fator complicador na relação, caso o contratante da pesquisa seja ciumento. Quanto às qualidades domésticas, o lado feminino do grupo apresentou algum índice de rejeição. Já o masculino se portou com indiferença à questão, imaginando que os interesses do contratante sejam muito mais nos atributos de cama do que nos de mesa. A capacidade financeira da candidata teve aprovação de 100% do grupo, quando o nome do pretenso sogro foi revelado. Por fim, perguntado se casaria com uma mulher como aquela, todo o grupo, homens e mulheres, respondeu positivamente. Ok, a candidata à mulher da minha vida foi aprovada pela qualitativa e o casamento foi recomendado pelo Ibope.
Meses depois me caso, volto da lua de mel ainda lânguido, feliz e observo algumas pessoas me olhando de forma estranha. A princípio ignoro, mas conforme os olhares escusos e desconfiados vão se multiplicando e tornando constantes, começo a me preocupar. O que deu errado? É quando um amigo mais próximo me chama num canto e pergunta “que negócio é esse que tá todo mundo comentando que você se casou com uma sapatão?” Sem entender nada, continuaria padecendo da síndrome de patinho feio, até descobrir a origem de tão infundado e comprometedor boato. Uma secretária do Ibope, que por acaso me conhecia, leu apenas um lembrete que o moderador da pesquisa anotou no canto do questionário, “mulheres também se casariam com a candidata a esposa”. Pronto, foi o suficiente pra ela passar a mão no telefone e ligar pra outra fofoqueira de plantão aqui da agência: “você acredita que a mulher do Orlando é sapatão? Juro, eu li na pesquisa”.