terça-feira, setembro 06, 2005

43 ANOS

Para Sandra Freitas

Nos últimos meses tenho sorrido pouco. Tenho tido poucos amigos. Freguentado pouco os bares. Abraçado poucas mulheres, acariciado muita poesia. Nos últimos meses tenho lido poucos livros, navegado poucas noites, bebido pouco, muito pouco uísque. Tenho afogado pouco os dias difíceis. Também é verdade, já bebi piores. Tenho me afastado de vícios, pouco alcalóide na pouca aflição. Tenho caminhado pouco, tenho corrido muito nas avenidas da solidão. Tenho pensado em ir ao dentista, ao analista, adio muito as farmácias. Tenho ganhado algum dinheiro. Tenho gastado muito mais. Tenho lido poucos jornais, tenho preferido jardins e indecifráveis desenhos infantis. Mas tenho olhado o trânsito, os olhares desesperados – são tantos – dos motoristas. Tenho prestado atenção nas crianças, na paciência das calçadas, na indiferença das babás, na aflição dos passantes, na ternura dos namorados, na doçura dos enganados, no sal da pele dos traídos. E entre janelas escusas, saias ventiladas, árvores pedantes, andorinhas em algazarra, espero sua chegada. Enquanto na varanda minha alma, agora diferente, morre de rir.